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Rota do Fresco: pintura mural alentejana

A pintura mural alentejana teve a sua origem em todo o tipo de encomendantes (nobres, confrarias / irmandades, Misericórdias, comissões fabriqueiras), e cobriu todo o território regional, existindo tanto em edifícios religiosos (ermidas, capelas, igrejas e mosteiros) como civis (palácios). O auge criativo da pintura mural alentejana centra-se no final da centúria quinhentista e primeira metade do século seguinte: ao longo do século XVII, enquanto crescia no resto do país a moda da talha, do azulejo e da pintura sobre tábua ou tela, que a pintura mural alentejana desenvolveu a sua função catequética com composições figurativas de larga escala. Recursos económicos insuficientes, impeditivos de chegar à boa pintura a óleo, têm sido apontados como causa para a diferenciação artística, ao nível da pintura mural, entre esta região e o resto do território nacional. Mas outras razões surgem de forma bem mais evidente...
 

É o caso da tipologia das construções religiosas no Alentejo: maioritariamente ermidas ou capelas de uma só nave, com cobertura de pedra, e marcadas pela robustez e opacidade dos alçados (sustentados por contrafortes possibilitadores do lançamento das referidas abóbadas de alvenaria de tijolo) protectores das elevadas temperaturas exteriores. Ou seja, uma extensa superfície apta a ser decorada, a exiguidade do espaço convidando à pintura monumental.

A questão climatérica tem também sido utilizada como justificação para a predominância da pintura a fresco nesta região em detrimento de outras regiões do país. Contudo, esta será uma razão absolutamente secundária, prendendo-se a opção pela técnica da pintura a fresco muito mais com a abundância de cal que se verifica nesta região, bem como com a tradição do seu manejo do que propriamente com a boa conservação do fresco que o bom tempo asseguraria.

No que diz respeito à permanência temática e formal até à primeira metade do século XVII da composição essencialmente figurativa com apontamentos ornamentais, característica do período tardo-medieval, ela é uma evidência em todos os exemplares alentejanos, enriquecidos contudo com outras recorrências estilísticas marcadamente regionais: uma encenação do tema retratado, evidente na teatralidade das personagens; uma policromia forte – tradução da diversidade de pigmentos naturais obtidos na planície alentejana –; uma aposta no efeito de conjunto e não no pormenor do traço, a maior parte das vezes, de qualidade mediana.

A superação da ausência de mestria técnica é reforçada pela opção por composições totalizantes com ermidas e capelas revestidas inteiramente por pinturas murais, apesar de, mesmo que pertencentes à mesma mão, manterem, como no resto do país, a ausência de narratividade. A pintura mural, no caso alentejano, em pleno século XVII, fica muitas vezes como o único elemento artístico do edifício, preenchendo-o e animando-o em exclusividade, numa clara manifestação de horror vacui. Todavia, este enunciado proto-barroco permaneceu isolado no quadro das bases estilísticas desta manifestação pictórica uma vez que, durante toda a primeira metade do século XVII, se constata a permanência do figurino maneirista e mesmo de retardatários apontamentos do tardo-gótico nas pinturas murais do aro da Arquidiocese de Évora. 

Outra particularidade do núcleo de pintura mural alentejano é a constatação deste ter chegado, em grande parte, até aos nossos dias. Esta situação deve-se essencialmente a três factores: em primeiro lugar, ao facto da maioria da pintura ter sido executada na técnica do fresco; por outro lado, à inexistência de recursos financeiros – cada vez mais evidente – que permitissem a alteração dos edifícios ou do seu interior; por fim, ao recurso à cal quando a pintura estava desgastada, permitindo assim a sua conservação e posterior resgate (se fosse caso disso) quase incólume. A desertificação crescente com o consequente esquecimento ao qual o património alentejano esteve votado ao longo de todo o século XX, determinaram também a quase inexistência de adulterações significativas neste acervo pictórico.

Um momento artístico guardado assim, ironicamente, pelas adversas vicissitudes sócio-económicas desta região do país e que, hoje, à medida que se estudam mais exemplares, ganha uma especificidade única no quadro do acervo de pintura mural de Portugal.

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